O choro do luto
Eu costumo ser bastante chorona, como eu disse esses dias para um amigo meu, colega da graduação. Eu choro por filme bom, choro de alegria, melancolia e medo do futuro. No entanto, eu surpreendentemente choro muito pouco pelo evento mais tocante da minha vida, que é o luto da morte de meu irmão. Às vezes ainda parece inacreditável, não consigo absorver sua ausência com completude. Ainda permaneço incrédula, depois de um ano e meio. Ele partiu em novembro de 2021, ainda tinha 15 anos. Faria 16 no próximo mês, dia 09 de dezembro.
E permaneço sem chorar.
Nossa avó, pelo contrário, chora quase diariamente desde então. Ela permanece lamentando profundamente sua perda, seu neto mais querido. Falo isso sem nenhum amargor nem dela e muito menos dele, pois a preferência é justificada. Depois da separação dos nossos pais, ele foi morar com o pai na casa da nossa avó paterna, e eu fui morar com a mãe e seu segundo esposo, o pai do nosso meio-irmão Miguel. Desde 2013 até sua partida, ele morou com a nossa avó, que o adotou como filho e o criou com comprometimento e dedicação ímpares.
Inicialmente eu também fui morar com o pai na casa da vó, mas eu fiquei por apenas poucos meses. Eu estava numa fase muito conturbada da minha vida. Resumidamente: eu uma pessoa com transtorno de personalidade limítrofe, a filha mais velha de um casamento falido e bissexual numa família católica conservadora. As circunstâncias eram inflamáveis e nossa relação explodiu. O resultado foi a minha separação com meu irmão. Nos criamos, em boa parte, muito distantes um do outro. Ficávamos sem conviver por meses, principalmente nos primeiros anos. Progressivamente, desde então, fomos nos reaproximando a ponto de, na última semana em que ele viveu nesta terra, nos despedíamos com "boa noite" e "te amo". Foi nosso último encontro. Numa quinta-feira a noite, na cozinha da Casa Real. Dois dias depois ele partiu.
Me dá um nó no estômago relatar a verdade, embora isso seja preciso. Alguém tem que contar. É que nem louça, alguém tem que lavar. E de palavra as outras testemunhas do ocorrido são manetas.
Além disso, escrever é uma forma de chorar. Talvez assim, escalando essa colina de relato em relato, ele ressuscite dos mortos para a história.
Acho que já chorei demais por hoje.
"A Flor Azul": fotografia no topo da colina onde desemboca a Trilha Dólmen da Oração, em Florianópolis. Tirei essa foto em janeiro de 2023.
Até logo,
Fernanda.
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