Anexando velhos choros para posteridade

 

Nota de Pesar

Meu irmão morreu. 06/11/21. Meu irmão. Felipe. Fã de carrinhos da hotweels. Goleiro. Adolescente. Ingênuo. Educado. Ponderado. Aventureiro. Pintor de paredes de quarto. Amante de luzes de Natal. Amigo de sua irmã. Meu irmão. Morto. Um ataque cardíaco aos 15 anos de idade, enquanto praticava ciclismo. Se tratava de um rapaz Atlético. Ironia do destino. Arritmia. Acaso. Não sei mais. 



Meu corpo arde em febre, enquanto o corpo de meu irmão perece em terra. Eu busco palavras para imortalizar o momento da morte de meu irmão, mas elas me faltam. Com o risco certeiro da insuficiência, me concentro e vasculho em minha mente os recursos adequados de minha língua.

Fernanda e Felipe. Sempre foi assim, desde que me entendo por gente. Na minha família, não se falava isoladamente de Fernanda ou de Felipe, do mesmo modo que não se fala isoladamente de Pippin ou de Marry, de Dick ou de Jane, de Fred ou de George. Agora sou só eu. Minha metade em carne e em espírito, em sangue e em história, o futuro tio dos meus futuros filhos, minha testemunha de vida, meu companheiro, meu amigo, meu irmão, meu Felipe… se foi. 

Para onde foi? Não se sabe a não ser que se vá. Ele foi. 

No dia quatro de novembro, há seis dias, eu te aconselhei a guardar uma carta que o pai te escreveu, para recordar da juventude aos 40. Falamos sobre rolês, juventude e crescimento. Há dez dias atrás, ouvimos racionais juntos e conversamos sobre a injustiça que paira nas periferias e presídios brasileiros. Falamos do massacre do Carandiru. Há quase três semanas, te convidei para morar comigo em São Paulo. Você me abraçou. A situação já estava difícil, pois tínhamos sido traídos recentemente pelo ex-marido de nossa mãe. Há um ano, praticávamos exercício físico em chamada do meet. Dizíamos que nos amávamos constantemente. Você me mostrava seus vídeos do YouTube, eu divulgava. (Peço perdão pelo dia que te fiz chorar pela crítica que eu fiz, meu irmão). 

Inacreditável. Lamentável. Inaceitável. 


Seu legado

Será lembrado

Nas ruas, nos bairros

Nos meios, nos lados 


Meu desconsolo se envereda pros cantos fundos e desconhecidos da minha existência. 

Eu nem sabia que dava pra sofrer tanto assim.



Não há recurso linguístico que eu disponha que seja suficiente para comunicar o luto vivido em primeira pessoa. Mesmo tendo certeza da insuficiência das minhas ambiciosas palavras, gestos e atos, me presto à comunidade e laboro este relato.

 No calendário gregoriano, faz exatamente sete dias que se deu no mundo a concretização do tenebroso fato. Entretanto, como que num desalento que beira ao desacato, não há, na medida do interior inexplicável, data que capture o tormento que se deu naquele tempo.

Os minutos correm num ritmo lento, os dias rastejam e acabam a cada sono. A vida, agora recheada de lamento, passa como se, para a morte, já estivesse tudo pronto. Apesar disso, o tempo passa — mesmo que passe sussurrando, como se não devesse estar passando.

A morte revela que a vida não é garantida e que o futuro é uma miragem míope. Se foi para um lugar sem tempo, meu irmão, Felipe. 

Irmão, filho, neto, sobrinho, primo, amigo, amado. Era ele quem conversava só o básico, e naqueles dias ele abraçou a mãe com os dois braços. A irmã com um carinho dado. Visitou o avô, beijou o irmão, voltou pro barraco. Prometeu jogar uma partida com o cunhado. Pediu bênção, recebeu e agradeceu. Amou o pai, a avó e a madrasta, assistiu novela. Estudou e paquerou na escola. Andou de bicicleta. Riu com os amigos. Caiu no chão. E partiu sem grito. Um corpo morto, sereno, agora irrestrito. 

Toda uma vida interrompida por um velório lotado. 

Se tratou de um ataque cardíaco fulminante. Sem nenhum aviso prévio, sem segunda chance. Sem rosto e sem gosto, seguimos adiante. Mas nada mais será como antes, não importando o quanto nosso pai cante. 

Nas mãos dos amados, um tremor inalienável, daqueles que só quem sente sabe. Nele, perpassa medo, raiva, culpa e saudade. Também incredulidade, a partir da qual duvidamos de nossa sanidade.

No céu, na terra e nos planos prevalece um certo desespero filosófico, onde as dúvidas, sem respostas, se enveredam pelos cantos, sem descanso. 

Para nós, resta, de consolo, a impressão solene de que houve despedida. Para mim, rimas pobres e uma ânsia pela vida, ardida. 

Após debruçar-me nesta breve e humilde narrativa dos últimos dias e dos posteriores, me retiro com pesar e com alguma esperança de encontrá-lo em algum tempo, em algum lugar, em algum fundo, em que céu estrelado não seja a própria dor do mundo.

13/11/21



Um irmão caiu em batalha. Ano que vem, daqui onze meses, realizará-se um ano gregoriano desse terroroso feito. Ano que vem, portanto, é um ano novo. Um ano novo cheio de notícias mal envelhecidas que compõem a trama desta guerra — perdida — pela vida. 

Eu penso na morte porque a vida não é garantida. E meu irmão, que não devia nada, que rezava, bicicletava, comia margarina no pão? Ele, enquanto jovem sonhador, provido de talentos e ambições, de mim nada se difere. Mesmo assim, morreu. Morreu sem aviso prévio, sem motivo e sem débito.

31/12/2021  



Simples

Tudo que está no tempo, passa. 



O luto no tempo


Ontem fez um ano. Parece que foi ontem. Nó na garganta. Um absurdo. Um ultraje. 

Seu coração parou de bater porque sim. Parece que foi ontem o ocorrido. Ele faria 17 mês mês que vem. Deus o tenha, esse mesmo Deus que o roubou de nós. 

07/11/22



Desabafo
O mito pariu a filosofia que pariu a ciência que pariu o fim do mundo. 

Enquanto isso, a arte faz fofoca dos segredos da gente.



Amanhã deveria ser a comemoração do décimo sétimo aniversário do meu agora falecido irmão, “nosso saudoso anjo Felipe”, como diz nossa enlutada avó. 




08/12/22
Nosso pai, eu, nossa madrasta e ele. Estávamos no Bosque dos Jequitibás, em Campinas. Começo de 2019. Eu havia acabado de ingressar na universidade. Nossa vida estava só começando.



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